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Ele passou a mão em mim



Se você está esperando ler mais uma história de putaria que eu vivi, não é o caso. Pode ir para outro texto do blog. Ainda é uma história real, mas o assunto é muito mais sério.

 

Num churrasco com amigos, sábado à tarde, eu era a única solteira. O resto do pessoal era todo casado e com filhos, o que não impede a galera de encher a cara, dançar e se divertir como se não houvesse amanhã. Talvez justamente por isso eu me dê bem com eles. Do grupo todo, alguns eram amigos próximos, outros mais para conhecidos apenas.


Já haviam se passado várias horas, já estava escuro. De repente alguém fala de maconha e eu digo que seria legal dar uns tragos, se alguém tivesse um baseado na festa. E uma das mulheres diz que o marido dela tem. Eu, toda animada, vou falar com o cara e a gente decide fumar. Então vamos eu, o cara e uma amiga num canto mais escuro, porque ninguém precisava ficar nos assistindo fumar. Somos acompanhados por mais algumas pessoas, mas só nós 3 fumamos. Tivemos que descer uma escada para chegar nesse espaço. Depois de alguns tragos, resolvemos voltar para a festa “principal”. Todo mundo subindo a escada de volta, ao final da fila ficamos eu e o cara por último. Alguns degraus acima, eu sinto as mãos dele passando de leve no meu quadril. Um toque sutil e propositadamente sensual. Um calafrio me sobe a espinha. A escada era curta, eu termino de subir rapidinho e não reajo, não falo nada. Nem virar e olhar para ele eu não virei. Mas eu sabia o que tinha acontecido. E se fazer de morta é uma tática que muitas mulheres – não sei se ainda hoje, mas as da minha idade com certeza – aprenderam para desencorajar um avanço indesejado de um homem. E foi isso que fiz.


Mas meu cérebro estava a milhão, o oposto da minha reação externa. A esposa dele estava lá, porque ele ia fazer uma coisa dessa com ela presente, por perto? Não que a ausência dela permitisse esse comportamento, ainda seria bizarro, mas parecia uma loucura muito maior com ela lá. E se ela descobrisse, será que ela ficaria com raiva dele ou de mim? Ela é uma das que não era muito minha amiga, então eu não sabia exatamente como ela reagiria. E eu já era a diferentona, a que sai sozinha, a separada, a que está num trisal. Eu não queria ser pivô de uma briga do casal. Nunca que eu ia querer causar um mal-estar com a galera.


Contei para uma amiga e ela respondeu com um “ah, deve ser porque ele está muito louco”. Ela também não queria causar uma confusão no grupo. E não falamos mais nisso.


A maioria do pessoal já tinha ido embora, só os inimigos do fim ainda resistindo e dançando e cantando. Não sei nem dizer exatamente como aconteceu, mas uma hora ele me tocou do mesmo jeito – passou as mãos de leve no meu quadril. De novo eu não olhei para ele e todo o turbilhão de pensamentos veio à tona novamente.


Comecei a me questionar. Será que eu deveria fazer/dizer alguma coisa? Será que eu dei a entender que permitia aquele comportamento dele? Decidi que eu ia falar calmamente que não queria e não estava gostando daquilo, caso ele fizesse de novo. Por sorte – ou não – logo ele e a esposa foram embora e a passada de mão não se repetiu.


Mas as questões na minha cabeça ficaram. Será que o fato de eu tratar o sexo de forma natural (ao invés de tratar como tabu), o fato de eu ter um relacionamento não convencional me fazem uma pessoa alvo de investidas indesejadas? As pessoas confundem liberdade sexual com ser uma pessoa fácil e dada, uma pessoa que não faz distinção de com quem quero ter contato íntimo? Será que as pessoas me respeitam menos por tudo isso?


Essas eram questões particulares a mim. Mas também fiquei pensando que eu deveria ter reagido em nome de todas a mulheres que passam por situações como essa e outras muito piores. Mulheres que são tratadas como objeto sexual por um homem pelo simples fato de serem solteiras (ou seja, disponíveis, na cabeça de muitos homens), de serem livres (ou seja, fáceis, na cabeça de muitos homens), de serem felizes e gostarem de socializar inclusive com homens (ou seja, putas, na cabeça de muitos homens).


Eu falo abertamente sobre sexualidade e sobre meu relacionamento não convencional, parte porque eu me vejo no papel de tentar fazer as pessoas encararem essas coisas com mais naturalidade. E eu – ainda – fico em conflito pensando na oportunidade perdida de ter me manifestado expressamente sobre o desconforto que o cara me causou. Assim como eu defendo que as coisas fora do “padrão” não sejam escondidas para que se tornem naturais, também acredito que quanto mais nós, mulheres, continuarmos nessa tática de silêncio para não causar, mais as coisas continuam a ser como são. Como eu posso criticar os homens passando pano pra outros homens quando essas merdas acontecem, se eu não falo nada quando isso acontece comigo? Foi “só” um toque no meu quadril – nem foi na minha bunda – mas isso justifica minha não reação? Às vezes a gente tem, sim, que jogar o desconforto para quem o causou.


Pena que a teoria é bem mais fácil que a prática.

 

PS: Depois de um tempo, fiquei sabendo de outro churrasco, do qual não pude participar, em que o mesmo cara ficou xavecando, na frente de todo mundo, uma mulher solteira. A esposa dele não estava no evento.

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